Ok, meus queridos leitores, eu sei que é Carnaval. Mas isso não é motivo para interromper nossa coluna mais querida e olhar apenas para as folias de Momo, certo? Leiam o texto a seguir e reflitam, passada a ressaca momesca, sobre as importantes informações nele contidas.
A revolução dos emergentes
Em meio a tantas especulações sobre a crise econômica e sua repercussão no Brasil, a VOCÊ S/A foi conversar com o embaixador Marcos de Azambuja, negociador com notável atuação internacional. A partir de sua experiência profissional, ele mostra, nesta entrevista, como pensa o Brasil de hoje, a crise, as novas gerações que estão chegando ao poder.
E foi além, ao falar sobre o papel do Estado momentos antes de Barack Obama salvar a General Motors e os jovens iranianos saírem às ruas pedindo mais liberdade. Marcos de Azambuja sinaliza o futuro com otimismo, sem euforia, levando em conta a história e a capacidade de criação e de renovação das novas gerações.
Homem do mundo, ele atuou como embaixador na Argentina e na França, foi chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos e coordenador da Conferência Rio 92. Hoje, é vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e autor de textos e palestras. Especialista em desarmamento e desenvolvimento sustentável, governança corporativa e integração regional, direitos humanos, Antártica e política espacial, ele ainda tem tempo de participar, entre outros, dos conselhos da PSA (Peugeot-Citroën) e da Confederação Nacional do Comércio.
Qual a melhor maneira de encarar a crise – esta e, provavelmente, outras que virão?
A idéia da crise embute dois conceitos: o de gravidade, do contrário não seria uma crise, e o de brevidade, porque toda crise, por definição, é passageira, transitória. Mas não se pode fazer o jogo da crise. Ou seja, as pessoas têm de focar no pós-crise.
Pensar, primeiro, no que fazer quando ela começar a perder força e, depois, estar preparado para quando o mundo se reorganizar. Esta é uma crise grave, tem uma duração que não sei prever, mas depois dela surgirá um mundo novo, com todas as promessas e possibilidades do que é novo. No entanto, no curto prazo, há turbulências, as oportunidades serão vistas a partir do médio prazo.
Que mundo novo é esse?
A crise permite a reorganização da vida internacional. O que estava estratificado passa a ficar em suspensão. Então, para um país como o Brasil, que ambiciona ser re-hierarquizado, ir para um lugar mais alto na pirâmide do poder, a crise se mostrou uma oportunidade.
Por ser emergente, o Brasil tem condições de aproveitar a crise para mudar seu patamar de inserção internacional e sair mais alto do que entrou nessa pirâmide — o que era impensável décadas atrás.
O senhor acha que a chamada Geração Y consegue ter uma visão equilibrada assim?
É da natureza do jovem o sentido de urgência, a vitalidade, a pressa, a ambição. Não se pode pedir ao moço que ele seja outra coisa se não moço. Isso seria negar sua própria condição. O que a nova geração deve levar em conta é que o tempo tem sempre a mesma velocidade.
Há períodos em que pouca coisa acontece e o tempo parece andar mais devagar, e há períodos em que as coisas andam muito depressa. A crise é mais um acelerador do que um retardador. Portanto ela traz a oportunidade de sua superação.
Ter seguido o modelo americano de industrialização foi o que permitiu ao Brasil estar melhor do que outros países da America Latina. Parece contraditório neste momento de crise gerada pelos Estados Unidos?
É verdade. A Argentina, por exemplo, sempre teve uma influência muito mais européia do que americana. Há três países na nossa região que têm a marca do dinamismo americano acelerado muito incorporada: México, Chile e Brasil. O Brasil tem uma cultura vocacionada a melhorar, a ir pra frente.
Somos uma versão tropicalizada dos Estados Unidos. Temos muitas diferenças, é verdade. Mas em comum temos o fato de sermos grandes nas dimensões territorial e demográfica, na multiculturalidade e na multirracialidade. Somos animais de mesmo tamanho e de mesma vocação política. Mas o Brasil não é uma réplica americana. Soubemos incorporar aspectos dos valores que inspiraram a sociedade americana com naturalidade.
De quais aspectos do modelo americano o senhor fala?
Da ascensão e mobilidade verticais. Nos dois países é possível vir de baixo e subir a pirâmide social sem ser freado. Ambos são países de oportunidades. Temos também em comum a mitologia do futuro e do otimismo — somos duas sociedades que acreditam que o amanhã vai ser melhor, mesmo que circunstancialmente o momento seja ruim, como agora. A turbulência não afeta a nossa visão, somos jogadores globais.
O Brasil não tem grandes cartas para jogar, mas temos fichas em todas as mesas. A nós interessa negociar com África, Ásia, Europa. Não há um tabuleiro em que o Brasil não seja um jogador. E para o jovem que chega ao poder nas empresas a idéia é essa: o Brasil está abrindo portas para que essa geração tenha condições de operar em todas as latitudes.
Existe um glamour que cerca a possibilidade de se fazer uma carreira internacional, ao mesmo tempo que isso gera uma tensão no executivo. Afinal, o brasileiro gosta de sair do Brasil?
Primeiro, nós temos um país tão grande que boa parte dos brasileiros não quer sair daqui. Tendemos a olhar para o nosso próprio umbigo. Segundo, nós falamos uma língua que não é universal. Terceiro, somos criados com uma idéia de que o Brasil se basta, e esse ufanismo é muito nosso. Então temos uma permanente tensão entre o brasileiro internacional e aquele que vive exclusivamente a realidade nacional.
Mas o número de brasileiros que se interessam pelo mundo – política, comércio, negócios, exportação -- é crescente. Tempos atrás o Brasil era um país que não vendia nada. Nem o café nós saíamos vendendo. Eram os grandes operadores que vinham até aqui comprar a nossa mercadoria.
O Estado brasileiro pode aproveitar os jovens executivos de empresas privadas que sabem operar internacionalmente?
Os concursos públicos estão aí para isso, para captar os melhores. Porém, o papel do Estado é o de prover a sociedade de moldura institucional democrática, aberta e estável, sem interferir diretamente no processo. Tem de possibilitar ao profissional trabalhar num país onde a ordem institucional funcione bem, com regras do jogo confiáveis e com uma macroeconomia racional, para que a sociedade possa ir pra frente.
Não sou a favor de um Estado máximo, nem mínimo. Sou pelo Estado necessário. Tenho medo tanto de Estados omissos quanto dos imperativos. Eles não podem impedir que a nova geração vá pra frente naturalmente.
Somos um país que sempre se vê muito mal. Quais são as virtudes da sociedade brasileira?
Ser flexível e aberta, ser apta a incorporar, a aproveitar e a reformular o que vem de fora. Tudo o que não somos é um país rígido. Aqui é permitido um dinamismo social indispensável para que pudéssemos entrar num ciclo virtuoso de uns anos pra cá: primeiro acertamos a mão no processo político com o restabelecimento da democracia no final dos anos 80, depois no processo macroeconômico, com o Real e a racionalização da economia.
E agora com a política inteligente de inclusão social, que incorporou numa base de prosperidade e de riqueza real um segmento da sociedade que estava muito abaixo da classe média, que eu considero a classe revolucionária brasileira. E vejo essa revolução dos emergentes com imenso prazer, pois o Brasil passou a ter um novo contingente de atores sociais.
O senhor fala dos governos de Fernando Henrique e Lula?
Futuramente eu acho que a história não separará Lula de Fernando Henrique, pois um é desdobramento do outro. Eles ajudaram a reconstruir o país na base da racionalidade e da civilidade. É claro que nem sempre se acerta com a racionalidade, mas ela dá a possibilidade de escolher as melhores ferramentas para o acerto. E a civilidade é a tolerância de uns com os outros, regra que permite que a sociedade civil opere com tranqüilidade e harmonia.
Muitos presidentes de empresas estão entusiasmadíssimos com o imenso mercado chinês. O senhor acredita na China como o império que vai substituir os Estados Unidos?
Eu não sou um bom profeta. Sou melhor como historiador, porque vejo com mais clareza o passado do que o futuro. Mas a China me interessa muito e acho que ainda há deficiências na área da organização social: tem déficits democráticos e de direitos humanos, ambos calcanhares de Aquiles, dívidas a resgatar. Mas o fato central é que nos últimos anos a China é o exemplo mais brilhante de dinamismo econômico, e o Brasil tem que explorar cada vez mais as parcerias com esse país.
Outro fato novo no cenário internacional é a ajuda econômica que a China tem dado aos Estados Unidos. A China é uma simbiose com os Estados Unidos — ela poupa muito e exporta muita e os Estados Unidos não poupam nada e importam muito. Então, de certa maneira, nós estamos assistindo a um casamento estranho de duas potências: uma que absorve tudo o que a outra faz e a outra que investe tudo em papéis do Tesouro Americano.
Por isso o interesse de ambas as nações estão muito ligados. Não pode haver uma China próspera sem um Estados Unidos próspero. É uma relação benigna, não é perigosa.
O senhor acredita que a China traz novos paradigmas para o mundo?
A China é como uma moeda — tem cara e coroa. Há uma China que produz na gente um grande otimismo. Incorporar 500, 600 milhões de pessoas numa sociedade de consumo é um impacto extraordinário. Ela tem técnicas de produção e produtividade eficazes. Então, parabéns à China. O outro lado: mais de 800 milhões de chineses estão vivendo fora disso, no campo, nas pequenas aldeias, estão fora do jogo, da produção, da civilização urbana. Há uma China das luzes e outra das trevas — e ambas coexistem. E o mesmo processo se dá na Índia.
Há semelhanças com o Brasil?
Entre os Bric, o Brasil fez melhor o dever de casa do que os outros: já incorporou as populações rurais às cidades e até por isso temos o problema do caos urbanos. Mas a ciência e a tecnologia na China e na Índia estão mais adiantadas do que no Brasil. No entanto, a nossa sociedade é mais harmoniosa do que as dos outros Bric.
As conseqüências do crescimento econômico e tecnológico global acelerado são os danos ao meio ambiente. O senhor vê soluções?
Eu não sou um apavorado ambiental, sou um preocupado ambiental. As duas grandes bandeiras das gerações atuais são preocupação com os impactos ambientais e com os direitos humanos As pessoas querem qualidade de vida com sustentabilidade. Elas querem melhorar sem a ameaçar a própria sobrevivência.
Eu não sou tão pessimista. Acho que a humanidade tem aceitado bem os desafios de cada momento. É que se acreditava que os recursos eram mais limitados do que realmente são. Acho a capacidade de criação humana mais veloz do que a de destruição dos recursos físicos. Nós vamos encontrar, pouco a pouco, maneiras de fazer mais e melhor causando menos danos ao planeta.
Mas existe um pavor em relação a esta questão.
Não quero que a geração que chega agora ao poder já venha hipotecada: não podemos fazer isso. Estamos às vésperas de novas revoluções industriais, científicas e tecnológicas tão grandes — informática; genética humana, vegetal e animal; telecomunicações. Estamos recriando o mundo. Ser jovem hoje é melhor do que quando eu era moço, porque as fronteiras estão mais amplas.
O senhor acha que os jovens de hoje têm dificuldade de obedecer hierarquias?
Hierarquia sugere premiação dos melhores. Não é possível imaginar uma sociedade em que o mérito, o talento, o esforço, o estudo e a capacidade de iniciativa não tenham uma premiação diferenciada. Mas não pode haver hierarquia ilegítima, dissociada do bem comum e da solidariedade. Então, os jovens querem evitar as hierarquias rígidas, autoritárias, baseadas em classes sociais ou no sexo das pessoas.
E querem também inventar a roda?
Não! É que tudo pode ser melhorado, redesenhado. O mundo não está acabando, e sim começando, principalmente em campos como genética. Por isso as novas gerações não devem se preocupar com os caminhos até aqui percorridos, mas com os novos rumos que vão ter de percorrer.
As oportunidades são ilimitadas para quem tiver imaginação, conhecimento, energia e vitalidade, porque só com inspiração não se constrói um mundo novo. A crise traz essa possibilidade, mas ainda estamos presos a um mundo que foi redesenhado em 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, onde foi criado o FMI. Serviu bem, impulsionou um surto de crescimento, mas essa bananeira já deu seu cacho e agora temos de pensar nas oportunidades que o Brasil tem de exportação de ciência e tecnologia, antes impensáveis.
O G 20 está ai pra isso. Para redesenhar o mundo. Mas parece que ainda temos uma conta que não fecha, para dar um salto qualitativo. Tem muita gente cursando pós-graduação ou MBA em busca de informações e conhecimentos que deveriam ter adquirido na graduação. A educação a que você se refere foi a que me formou, que era elitista.
Na minha época existiam menos universitários no Brasil do que há hoje somente na USP. Houve a democratização de ensino e certos parâmetros foram adiados. Ou seja, antigamente havia pressa em educar bem para jogar logo as pessoas no mercado de trabalho. Hoje dá para alongar o processo de aprendizado. Esse fato faz parte do processo de crescimento do próprio país.
Não teria a ver com a ditadura militar?
O problema da ditadura é que ela não foi uma etapa de inteligência da história nacional. Ela foi um período medíocre. Conservadora no mau sentido. Ela não tinha processos e instrumentos dentro dela mesma que lhe possibilitassem pressentir o que seria necessário no futuro.
Ela não tinha uma visão real do que era o Brasil e do seu potencial. Ela desconfiava do novo, do jovem e do que era contestatório. E o progresso vem das novas gerações, de quem tem dinamismo. Você não pode ter a criatividade tolhida por um temor político, pelo medo de errar. É da natureza do regime autoritário oprimir a inteligência e desconfiar do que é novo. A inteligência causa desordem porque se permite pensar — e o desafio assusta.
As velhas ideologias foram abandonadas pelos jovens. Hoje, existe alguma ideologia reinante?
Caiu a ideologia do socialismo real, ou seja, o comunismo de Estado provou-se ineficaz. E não há nada mais convincente do que o fracasso. Mas o mundo não pode viver sem ideologias. O ser humano quando jovem procura grandes sistemas que ordenem o todo. Então, surgiram a ideologia ambiental, a dos direitos humanos, em que a salvação não se dá pelo coletivo e sim pelos direitos de liberdade individuais, e um certo espiritualismo difuso, pois mistura ingredientes de várias religiões, principalmente as orientais.
O que mais fascina o senhor na nova geração?
A procura da felicidade pessoal, e não coletiva, como no socialismo. Depois, a ascensão pessoal pela busca de oportunidades. E por fim a busca de uma vida sexual e afetiva. Os jovens substituíram ideologias que consideraram caducas por outras que acharam operacionais e eficazes. Eles saíram das ideologias coletivas e impostas para as ideologias individuais e voluntárias.
A diplomacia é uma boa carreira? Afinal, com tantos organismos internacionais que procuram resolver os impasses por meio de acordos para evitar as guerras, os diplomatas tomaram o emprego dos generais.
Quando as guerras se acabam os diplomatas se sentam. Eles entram quando o jogo militar se esgota. E agora, depois das armas atômicas, quando a própria hipótese de guerra militar se torna impossível, pois a destruição seria irremediável, então entra a diplomacia, que é uma infinita conversa de botequim [risos]. É sentar, conversar, conversar e ter paciência e conversar de novo. Diplomacia é um exercício interminável -- não de ter razão, mas de dar razão ao outro. Ela é uma acomodação de interesses, e não de triunfo de uma idéia sobre a outra.
A revolução dos emergentes
Em meio a tantas especulações sobre a crise econômica e sua repercussão no Brasil, a VOCÊ S/A foi conversar com o embaixador Marcos de Azambuja, negociador com notável atuação internacional. A partir de sua experiência profissional, ele mostra, nesta entrevista, como pensa o Brasil de hoje, a crise, as novas gerações que estão chegando ao poder.
E foi além, ao falar sobre o papel do Estado momentos antes de Barack Obama salvar a General Motors e os jovens iranianos saírem às ruas pedindo mais liberdade. Marcos de Azambuja sinaliza o futuro com otimismo, sem euforia, levando em conta a história e a capacidade de criação e de renovação das novas gerações.
Homem do mundo, ele atuou como embaixador na Argentina e na França, foi chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos e coordenador da Conferência Rio 92. Hoje, é vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e autor de textos e palestras. Especialista em desarmamento e desenvolvimento sustentável, governança corporativa e integração regional, direitos humanos, Antártica e política espacial, ele ainda tem tempo de participar, entre outros, dos conselhos da PSA (Peugeot-Citroën) e da Confederação Nacional do Comércio.
Qual a melhor maneira de encarar a crise – esta e, provavelmente, outras que virão?
A idéia da crise embute dois conceitos: o de gravidade, do contrário não seria uma crise, e o de brevidade, porque toda crise, por definição, é passageira, transitória. Mas não se pode fazer o jogo da crise. Ou seja, as pessoas têm de focar no pós-crise.
Pensar, primeiro, no que fazer quando ela começar a perder força e, depois, estar preparado para quando o mundo se reorganizar. Esta é uma crise grave, tem uma duração que não sei prever, mas depois dela surgirá um mundo novo, com todas as promessas e possibilidades do que é novo. No entanto, no curto prazo, há turbulências, as oportunidades serão vistas a partir do médio prazo.
Que mundo novo é esse?
A crise permite a reorganização da vida internacional. O que estava estratificado passa a ficar em suspensão. Então, para um país como o Brasil, que ambiciona ser re-hierarquizado, ir para um lugar mais alto na pirâmide do poder, a crise se mostrou uma oportunidade.
Por ser emergente, o Brasil tem condições de aproveitar a crise para mudar seu patamar de inserção internacional e sair mais alto do que entrou nessa pirâmide — o que era impensável décadas atrás.
O senhor acha que a chamada Geração Y consegue ter uma visão equilibrada assim?
É da natureza do jovem o sentido de urgência, a vitalidade, a pressa, a ambição. Não se pode pedir ao moço que ele seja outra coisa se não moço. Isso seria negar sua própria condição. O que a nova geração deve levar em conta é que o tempo tem sempre a mesma velocidade.
Há períodos em que pouca coisa acontece e o tempo parece andar mais devagar, e há períodos em que as coisas andam muito depressa. A crise é mais um acelerador do que um retardador. Portanto ela traz a oportunidade de sua superação.
Ter seguido o modelo americano de industrialização foi o que permitiu ao Brasil estar melhor do que outros países da America Latina. Parece contraditório neste momento de crise gerada pelos Estados Unidos?
É verdade. A Argentina, por exemplo, sempre teve uma influência muito mais européia do que americana. Há três países na nossa região que têm a marca do dinamismo americano acelerado muito incorporada: México, Chile e Brasil. O Brasil tem uma cultura vocacionada a melhorar, a ir pra frente.
Somos uma versão tropicalizada dos Estados Unidos. Temos muitas diferenças, é verdade. Mas em comum temos o fato de sermos grandes nas dimensões territorial e demográfica, na multiculturalidade e na multirracialidade. Somos animais de mesmo tamanho e de mesma vocação política. Mas o Brasil não é uma réplica americana. Soubemos incorporar aspectos dos valores que inspiraram a sociedade americana com naturalidade.
De quais aspectos do modelo americano o senhor fala?
Da ascensão e mobilidade verticais. Nos dois países é possível vir de baixo e subir a pirâmide social sem ser freado. Ambos são países de oportunidades. Temos também em comum a mitologia do futuro e do otimismo — somos duas sociedades que acreditam que o amanhã vai ser melhor, mesmo que circunstancialmente o momento seja ruim, como agora. A turbulência não afeta a nossa visão, somos jogadores globais.
O Brasil não tem grandes cartas para jogar, mas temos fichas em todas as mesas. A nós interessa negociar com África, Ásia, Europa. Não há um tabuleiro em que o Brasil não seja um jogador. E para o jovem que chega ao poder nas empresas a idéia é essa: o Brasil está abrindo portas para que essa geração tenha condições de operar em todas as latitudes.
Existe um glamour que cerca a possibilidade de se fazer uma carreira internacional, ao mesmo tempo que isso gera uma tensão no executivo. Afinal, o brasileiro gosta de sair do Brasil?
Primeiro, nós temos um país tão grande que boa parte dos brasileiros não quer sair daqui. Tendemos a olhar para o nosso próprio umbigo. Segundo, nós falamos uma língua que não é universal. Terceiro, somos criados com uma idéia de que o Brasil se basta, e esse ufanismo é muito nosso. Então temos uma permanente tensão entre o brasileiro internacional e aquele que vive exclusivamente a realidade nacional.
Mas o número de brasileiros que se interessam pelo mundo – política, comércio, negócios, exportação -- é crescente. Tempos atrás o Brasil era um país que não vendia nada. Nem o café nós saíamos vendendo. Eram os grandes operadores que vinham até aqui comprar a nossa mercadoria.
O Estado brasileiro pode aproveitar os jovens executivos de empresas privadas que sabem operar internacionalmente?
Os concursos públicos estão aí para isso, para captar os melhores. Porém, o papel do Estado é o de prover a sociedade de moldura institucional democrática, aberta e estável, sem interferir diretamente no processo. Tem de possibilitar ao profissional trabalhar num país onde a ordem institucional funcione bem, com regras do jogo confiáveis e com uma macroeconomia racional, para que a sociedade possa ir pra frente.
Não sou a favor de um Estado máximo, nem mínimo. Sou pelo Estado necessário. Tenho medo tanto de Estados omissos quanto dos imperativos. Eles não podem impedir que a nova geração vá pra frente naturalmente.
Somos um país que sempre se vê muito mal. Quais são as virtudes da sociedade brasileira?
Ser flexível e aberta, ser apta a incorporar, a aproveitar e a reformular o que vem de fora. Tudo o que não somos é um país rígido. Aqui é permitido um dinamismo social indispensável para que pudéssemos entrar num ciclo virtuoso de uns anos pra cá: primeiro acertamos a mão no processo político com o restabelecimento da democracia no final dos anos 80, depois no processo macroeconômico, com o Real e a racionalização da economia.
E agora com a política inteligente de inclusão social, que incorporou numa base de prosperidade e de riqueza real um segmento da sociedade que estava muito abaixo da classe média, que eu considero a classe revolucionária brasileira. E vejo essa revolução dos emergentes com imenso prazer, pois o Brasil passou a ter um novo contingente de atores sociais.
O senhor fala dos governos de Fernando Henrique e Lula?
Futuramente eu acho que a história não separará Lula de Fernando Henrique, pois um é desdobramento do outro. Eles ajudaram a reconstruir o país na base da racionalidade e da civilidade. É claro que nem sempre se acerta com a racionalidade, mas ela dá a possibilidade de escolher as melhores ferramentas para o acerto. E a civilidade é a tolerância de uns com os outros, regra que permite que a sociedade civil opere com tranqüilidade e harmonia.
Muitos presidentes de empresas estão entusiasmadíssimos com o imenso mercado chinês. O senhor acredita na China como o império que vai substituir os Estados Unidos?
Eu não sou um bom profeta. Sou melhor como historiador, porque vejo com mais clareza o passado do que o futuro. Mas a China me interessa muito e acho que ainda há deficiências na área da organização social: tem déficits democráticos e de direitos humanos, ambos calcanhares de Aquiles, dívidas a resgatar. Mas o fato central é que nos últimos anos a China é o exemplo mais brilhante de dinamismo econômico, e o Brasil tem que explorar cada vez mais as parcerias com esse país.
Outro fato novo no cenário internacional é a ajuda econômica que a China tem dado aos Estados Unidos. A China é uma simbiose com os Estados Unidos — ela poupa muito e exporta muita e os Estados Unidos não poupam nada e importam muito. Então, de certa maneira, nós estamos assistindo a um casamento estranho de duas potências: uma que absorve tudo o que a outra faz e a outra que investe tudo em papéis do Tesouro Americano.
Por isso o interesse de ambas as nações estão muito ligados. Não pode haver uma China próspera sem um Estados Unidos próspero. É uma relação benigna, não é perigosa.
O senhor acredita que a China traz novos paradigmas para o mundo?
A China é como uma moeda — tem cara e coroa. Há uma China que produz na gente um grande otimismo. Incorporar 500, 600 milhões de pessoas numa sociedade de consumo é um impacto extraordinário. Ela tem técnicas de produção e produtividade eficazes. Então, parabéns à China. O outro lado: mais de 800 milhões de chineses estão vivendo fora disso, no campo, nas pequenas aldeias, estão fora do jogo, da produção, da civilização urbana. Há uma China das luzes e outra das trevas — e ambas coexistem. E o mesmo processo se dá na Índia.
Há semelhanças com o Brasil?
Entre os Bric, o Brasil fez melhor o dever de casa do que os outros: já incorporou as populações rurais às cidades e até por isso temos o problema do caos urbanos. Mas a ciência e a tecnologia na China e na Índia estão mais adiantadas do que no Brasil. No entanto, a nossa sociedade é mais harmoniosa do que as dos outros Bric.
As conseqüências do crescimento econômico e tecnológico global acelerado são os danos ao meio ambiente. O senhor vê soluções?
Eu não sou um apavorado ambiental, sou um preocupado ambiental. As duas grandes bandeiras das gerações atuais são preocupação com os impactos ambientais e com os direitos humanos As pessoas querem qualidade de vida com sustentabilidade. Elas querem melhorar sem a ameaçar a própria sobrevivência.
Eu não sou tão pessimista. Acho que a humanidade tem aceitado bem os desafios de cada momento. É que se acreditava que os recursos eram mais limitados do que realmente são. Acho a capacidade de criação humana mais veloz do que a de destruição dos recursos físicos. Nós vamos encontrar, pouco a pouco, maneiras de fazer mais e melhor causando menos danos ao planeta.
Mas existe um pavor em relação a esta questão.
Não quero que a geração que chega agora ao poder já venha hipotecada: não podemos fazer isso. Estamos às vésperas de novas revoluções industriais, científicas e tecnológicas tão grandes — informática; genética humana, vegetal e animal; telecomunicações. Estamos recriando o mundo. Ser jovem hoje é melhor do que quando eu era moço, porque as fronteiras estão mais amplas.
O senhor acha que os jovens de hoje têm dificuldade de obedecer hierarquias?
Hierarquia sugere premiação dos melhores. Não é possível imaginar uma sociedade em que o mérito, o talento, o esforço, o estudo e a capacidade de iniciativa não tenham uma premiação diferenciada. Mas não pode haver hierarquia ilegítima, dissociada do bem comum e da solidariedade. Então, os jovens querem evitar as hierarquias rígidas, autoritárias, baseadas em classes sociais ou no sexo das pessoas.
E querem também inventar a roda?
Não! É que tudo pode ser melhorado, redesenhado. O mundo não está acabando, e sim começando, principalmente em campos como genética. Por isso as novas gerações não devem se preocupar com os caminhos até aqui percorridos, mas com os novos rumos que vão ter de percorrer.
As oportunidades são ilimitadas para quem tiver imaginação, conhecimento, energia e vitalidade, porque só com inspiração não se constrói um mundo novo. A crise traz essa possibilidade, mas ainda estamos presos a um mundo que foi redesenhado em 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, onde foi criado o FMI. Serviu bem, impulsionou um surto de crescimento, mas essa bananeira já deu seu cacho e agora temos de pensar nas oportunidades que o Brasil tem de exportação de ciência e tecnologia, antes impensáveis.
O G 20 está ai pra isso. Para redesenhar o mundo. Mas parece que ainda temos uma conta que não fecha, para dar um salto qualitativo. Tem muita gente cursando pós-graduação ou MBA em busca de informações e conhecimentos que deveriam ter adquirido na graduação. A educação a que você se refere foi a que me formou, que era elitista.
Na minha época existiam menos universitários no Brasil do que há hoje somente na USP. Houve a democratização de ensino e certos parâmetros foram adiados. Ou seja, antigamente havia pressa em educar bem para jogar logo as pessoas no mercado de trabalho. Hoje dá para alongar o processo de aprendizado. Esse fato faz parte do processo de crescimento do próprio país.
Não teria a ver com a ditadura militar?
O problema da ditadura é que ela não foi uma etapa de inteligência da história nacional. Ela foi um período medíocre. Conservadora no mau sentido. Ela não tinha processos e instrumentos dentro dela mesma que lhe possibilitassem pressentir o que seria necessário no futuro.
Ela não tinha uma visão real do que era o Brasil e do seu potencial. Ela desconfiava do novo, do jovem e do que era contestatório. E o progresso vem das novas gerações, de quem tem dinamismo. Você não pode ter a criatividade tolhida por um temor político, pelo medo de errar. É da natureza do regime autoritário oprimir a inteligência e desconfiar do que é novo. A inteligência causa desordem porque se permite pensar — e o desafio assusta.
As velhas ideologias foram abandonadas pelos jovens. Hoje, existe alguma ideologia reinante?
Caiu a ideologia do socialismo real, ou seja, o comunismo de Estado provou-se ineficaz. E não há nada mais convincente do que o fracasso. Mas o mundo não pode viver sem ideologias. O ser humano quando jovem procura grandes sistemas que ordenem o todo. Então, surgiram a ideologia ambiental, a dos direitos humanos, em que a salvação não se dá pelo coletivo e sim pelos direitos de liberdade individuais, e um certo espiritualismo difuso, pois mistura ingredientes de várias religiões, principalmente as orientais.
O que mais fascina o senhor na nova geração?
A procura da felicidade pessoal, e não coletiva, como no socialismo. Depois, a ascensão pessoal pela busca de oportunidades. E por fim a busca de uma vida sexual e afetiva. Os jovens substituíram ideologias que consideraram caducas por outras que acharam operacionais e eficazes. Eles saíram das ideologias coletivas e impostas para as ideologias individuais e voluntárias.
A diplomacia é uma boa carreira? Afinal, com tantos organismos internacionais que procuram resolver os impasses por meio de acordos para evitar as guerras, os diplomatas tomaram o emprego dos generais.
Quando as guerras se acabam os diplomatas se sentam. Eles entram quando o jogo militar se esgota. E agora, depois das armas atômicas, quando a própria hipótese de guerra militar se torna impossível, pois a destruição seria irremediável, então entra a diplomacia, que é uma infinita conversa de botequim [risos]. É sentar, conversar, conversar e ter paciência e conversar de novo. Diplomacia é um exercício interminável -- não de ter razão, mas de dar razão ao outro. Ela é uma acomodação de interesses, e não de triunfo de uma idéia sobre a outra.
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